De cima de uma
pequena laje, observo as construções, de formatos variados, quase sempre sem
reboco, quase sempre sem cores e sem planejamento. Essa cena protagonizada por
retirantes, que foram engodados pelas belíssimas paisagens cariocas,
apresentadas pela mídia em suas programações diariamente, e que os fizeram crer
ser este o eldorado da sua vida.
São seis e meia da
manhã, vejo Severino descer pelos becos da comunidade até alcançar a rua
principal. Na mochila, leva a marmita e as suas ferramentas para mais um dia de
labuta. Sua esposa Maria das Dores, sai em seguida, deixando em seu modesto lar
a sua filha mais velha com dezesseis anos de idade tomando conta de mais três
irmãos menores para ir para ao trabalho.
Ela é faxineira de
oficio e segue para a casa da madame em busca do pão de cada dia. Severino
trabalha no outro lado da comunidade, num serviço de empreitada, que acertou
com Agenor, seu conterrâneo, que precisava ampliar a sua quitinete para
acomodar o Sebastião, parente seu, que tinha acabado de chegar do Nordeste.
Mas do que depressa,
Severino lembrou-se quando chegou no Rio de Janeiro cerca de vinte anos atrás,
quando pegou na ferramenta pela primeira vez, orientado pelo mestre-de-obras
Agripino, também conterrâneo seu, e que o transformou num servente de pedreiro.
Hoje ele é mestre-de-obras e vai passar a Sebastião, o parente de Agenor, todo
o seu conhecimento.
E assim será
costurado mais um retalho, que poderá ser sem reboco e sem cor, mas com toda
certeza sem planejamento, e ampliará a colcha de retalhos, que denuncia a falta
de sensibilidade dos políticos com os pobres e necessitados.
Em seu trabalho,
Maria das Dores fica muito mais preocupada na parte da tarde, porque sua filha
mais velha, Ingrid, vai para a escola, e os outros três ficam sozinhos sob a
responsabilidade do seu filho Michael, de doze anos. Michael costuma ficar na
laje soltando pipa durante a tarde porque pela manhã ele estuda.
Enquanto cuida da
casa da madame, Maria das Dores escuta o noticiário da televisão e, de repente,
ela ouve o nome de sua comunidade e corre pra frente da TV que transmite ao
vivo um tiroteio entre policiais e traficantes. O desespero toma conta da
faxineira que pega o dinheiro da passagem com a madame e corre para proteger os
filhos.
Já Severino que estava mais próximo do
confronto e não podia nem se coçar, ficou deitado no chão junto de seus
conterrâneos. Ao se aproximar da comunidade, Maria das Dores desceu uma rua
antes do confronto, gritando aos prantos: “Michael! Michael!” Desce da laje,
meu filho, e cuida dos seus irmãos!
Foram as suas últimas palavras. Uma bala,
partindo não se sabe de onde, interrompeu a vida de uma nordestina
trabalhadora, que deixou quatro filhos menores para o pai criar. Esse é o
eldorado dos retirantes, serventes, mestre-de-obras e tantos outros que moram
em um modesto lar numa colcha de retalhos.
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